Pare de me desejar que em breve eu esteja na Globo!
- Roni Diniz
- 25 de jul. de 2016
- 5 min de leitura
Por favor, prefiro que você me deseje que eu continue a sentir prazer, ter coragem e forças para arranjar condições dignas de atender minha essência artística de criar e sentir/interpretar o meu mundo interno e o mundo que me rodeia! Interpretar as pessoas que me rodeiam, evoluir o meu modo de ler-te, os seus modos de ler, os Deles, seja como for, usando o corpo, texto, foto ou a linguagem que for, na rua, para 3 pessoas, num set, ou no meu anonimato, uma hora ou outra, de um jeito ou de outro, a pesca encontra o pescador. Peço que me deseje isso, porque também te desejo tudo isso em encontros que se reverberam como os que eu gosto de ter e tenho tido. Pois o meu retorno ao seu desejo de me ver na Globo talvez seria desejar que você estivesse em casa, ao sofá, me assistindo na Globo e não é verdade, não hoje! Eu respeito quem faz novela na Globo, sei que provavelmente eu teria que suar muito para estar a contento caso eu fosse parar lá, não é que eu recusaria um convite, que eu não veja a sua boa intenção ao desejar me ver lá, ou que eu não respeite e nunca assista à Globo, admiro muitos que estão ou estiveram lá, talvez eu faça alguma vaga ideia do desafio que é manter funcionando uma instituição tão grande, por tanto tempo, que dá emprego a tanta gente, mas admiro e me inspiro também em muitas pessoas que não estão lá, nunca estiveram, mesmo antes de escolher este ofício de ator como um dos meus. Mas questiono o conceito que predomina no imaginário popular dela como sinônimo de ápice profissional ou artístico que qualquer ator possa desejar a frente de tudo. Já pensou que na Globo e Cia não caberiam todos os artistas de todo este Brasil? Ainda bem. Ela não se compromete em abrigar unicamente os que são excepcionalmente bons, abriga vários em diversos estágios e alguns que nem são artistas, nem estão lá por mérito, e podem se descobrir artistas ou não, ainda bem, abriga para que fim e até quando? Alguns passam e ficam, outros somem, outros surgem, alguns ficam e fazem a diferença e depois somem, outros ficam, ficam, e as centenas que não são reconhecidos na rua e nem querem, e nem por isso são menos importantes ou “assistíveis”?
Logo, a Globo não é sinônimo de excelência do ponto de vista que eu vejo o mundo, para ser minha meta de vida (vou ficar triste se disser que é do seu ponto de vista), talvez nem seja no ponto de vista financeiro que tantos comentam, talvez eu tenha a chance de comprovar isso pessoalmente um dia ou não, sim eu gostaria, talvez seja ilusão como tanta coisa neste mundo é, talvez ela não seja tanto assim pra estar na frase que você escolheu me dizer a fim de demonstrar alguma admiração ou me injetar um combustível novo de esperança, ainda bem!
Fui atraído ao Teatro por que sua matéria prima é a vida, o homem, por que achei ali espaço para trazer à mesa minhas questões, mesmo quando ainda não sei quais são elas, posso descobri-las, conhecer outras, ser estimulado, conhecer grandes pensadores atuais e antigos e sim, conversar com eles de igual para igual, conversar com os mais simples, continuar o movimento que admirei de um jeito ou de outro ou desdobrá-lo, mudar, aprimorar, duvidar, de mim e do mundo, reaprender, criar, recriar, rever, aprofundar, discutir, perdoar, gritar, rir, chorar.... Isso parece uma conversa entre amigos não é! E é! Se você me deseja felicidade, levante do sofá algumas vezes, se proponha a este diálogo que é o Teatro e a Dança, mesmo que eu não esteja no palco neste dia, sorrirei grato a você também, pois a sua ação mexerá todo o contexto e futuro do lugar do artista, e me afetará positivamente sim, a mim e a tantos que estão comigo, e eu os encontrarei, os que estão entrando e entrarão...
Não desista de ir ao Teatro e à Dança só porque está chovendo, se este é pago, se você não tem carona, não tem nenhum famoso ou parente no elenco, seu amigo desistiu de ir com você, pois os artistas estarão lá te esperando ansiosos, ficaram um ano ou mais ensaiando, desafiando seus próprios limites, escrevendo editais, ouvindo incontáveis “nãos”, estudando o texto, a época, as relações, o próprio corpo e as próprias emoções e métodos, e “não-métodos”, às vezes trabalhando em outras coisas para comprarem o próprio tempo a fim de poderem estar ali expostos ao “não gostei”, ao “gostava mais do outro” e às vezes, àquele olhar de público que diz tudo em silêncio e nos mostra que tudo valeu a pena. Não se importe se eu não pude tirar uma selfie no fim do espetáculo ou mesmo se não pôde me ver depois da peça, a mim ou à Fernanda Montenegro, se você acha que nem entendeu nada do que foi dito lá, não consegue verbalizar bonito suas percepções, eu até hoje revisito e lembro/relaciono, de repente, de peças, filmes, quadros e poemas que vi há 5 ou mais anos atrás. Quando tocamos o tambor não sabemos até onde o som vai chegar. Tento ser o público que eu gostaria de ter na minha plateia e o artista que eu gostaria de assistir no palco que eu saí de casa para ver num dia de chuva, e erramos, que bom, somos tão diferentes, podemos melhorar sempre, o erro faz parte da vida, quando erramos tentando acertar ele é lindo, é lição, é quebra da zona de conforto, ninguém sai de casa dizendo que vai errar hoje, alguns necessitam deste erro para reconhecer que deveria ter se dedicado mais, porém, só erramos se tentamos fazer alguma coisa, os públicos são diferentes, estão em fases distintas, tiveram um dia bom ou ruim, hoje recebem diferente de amanhã, que bom. Estamos cientes de que receberemos críticas, não tão construtivas às vezes, nem Cristo agradou a todos, que tem gente que ao invés de entrar na conversa proposta ali, gostaria é de dirigir o espetáculo ao seu próprio jeito e perde o que está acontecendo ali. Não se importe se eu não estou em cartaz com nenhuma peça agora e se nem poderemos conversar tão cedo sobre este trabalho que você viu hoje ou ontem e gostou tanto, se você não consegue ir ver todos os trabalhos que gostaria, eu também não, mas a quantos temos conseguido ir ver? Desejo te encontrar nas plateias também, ao meu lado, assim como encontro tantos amigos meus artistas.
As preces silenciosas são as mais poderosas, as preces seguidas de ações coerentes são coroadas com êxito, os votos, assim tão bem acompanhados, também! Um grande beijo!
NOTA: Este texto foi postado em 10 de junho de 2016 na minha conta pessoal do Facebook, com uma excelente repercussão, por isso mereceu vir para cá... Um agradecimento especial à página "Atores da Depressão" que compartilhou este texto potencializando a provocação desta mensagem e quem sabe uma contribuição singela para um começo de rompimento deste rótulo global frustrante difundido sobre uma visão limitada do que pode representar sucesso de carreira para um ator...

Comments